"1666, Londres.
Três barcos cheios de serventes brancos deslizam pelo Tamisa rumo ao mar. Quando abrirem as suas comportas, na remota ilha de Barbados, os vivos marcharão para as plantações de açúcar, algodão e tabaco, e os mortos para o fundo da baía.
'Espíritos' se chamam os traficantes de serventes brancos, bem mágicos na arte de evaporar gente: enviam para as Antilhas as putas e os vagabundos sequestrados nos bairros baixos de Londres, os jovens católicos caçados na Irlanda e na Escócia e os presos que esperavam pela forca no cárcere de Bristol por terem matado um coelho em terras privadas. Armazenados à chave, nos porões dos barcos, acordam os emborrachados apanhados nos cais, e com eles viajam até às Américas algumas crianças atraídas com guloseimas e muitos aventureiros enganados pela promessa de fortuna fácil. Lá, nas plantações de Barbados ou da Jamaica ou da Virgínia, lhes espremerão o sumo até que tenham pago o seu preço e o preço da passagem.
Os serventes brancos sonham em tornarem-se donos de terras e de negros. Quando recuperam a sua liberdade, ao cabo dos anos de dura penitência e trabalho sem salário, a primeira coisa que fazem é comprar um negro que lhe abane o leque à hora da sesta.
Há quarenta mil escravos africanos em Barbados. Os nascimentos registam-se nos livros de contabilidade das plantações. Ao nascer, um negrito vale meia libra."
Eduardo Galeano, Memória do Fogo – Os Nascimentos (tradução de António Marques; no prelo)
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