sexta-feira, 15 de julho de 2011

Apocalípticos e dissolvidos

Lê-se e não se acredita:
"O escritor italiano Umberto Eco vai reescrever o romance 'O Nome da Rosa', que lhe garantiu a notoriedade mundial, para o tornar 'mais acessível a novos leitores', noticiou o diário romano 'La Repubblica'.

Eco vai aligeirar várias passagens da obra assim como a linguagem usada no 'thriller' medieval, com ação passada no século XV, para o aproximar das novas gerações e das novas tecnologias. 'O Nome da Rosa' teve origem na paixão declarada do autor, um medievalista confesso, pelos livros e pela cultura da época.

O escritor tem por objetivo ultrapassar a dificuldade idiomática ou a densidade de várias passagens da obra, assim como chegar àqueles que só conhecem excertos publicados na internet, através das potencialidades de uma nova edição digital." (in Visão)
É, pois, oficial: os "integrados" ganham aos "apocalípticos" por KO e passam a chamar-se "dissolvidos".

terça-feira, 12 de julho de 2011

Oitenta anos



Com atraso de alguns dias, aqui fica a nossa lembrança do aniversário do cineasta António de Macedo. E a lembrança de um post publicado por nós a 5 de Outubro de 2008, depois da exibição de um fabuloso documentário "perdido" sobre Almada Negreiros, filmado em 1969 (as últimas imagens em filme do artista, que morreria no ano seguinte). Foi exibido nas Belas Artes de Lisboa durante o Fórum Fantástico de 2008. (Preparamos um livro de ensaios sobre o fantástico em Portugal, um dos quais é da autoria de António de Macedo.)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Onde não há mercado, não há Acordo

(Adaptado de uma troca de opiniões no Facebook com o livreiro Sérgio Lavos)

Como em tudo, eu tendo a guiar-me não tanto pelo que é feito ou proposto (no caso, este Acordo Ortográfico), mas pela forma como é feito ou proposto. E este AO, negociado ainda em pleno cavaquismo, é uma prova da contínua falta de confiança nos referendos, na consulta, no escrutínio da população cuja vida e hábitos serão afectados pelo mesmo (a mesma coisa se passou com a entrada no Euro, com os resultados sabidos...). A questão é a do mercado: um suposto Acordo não vai resolver o simples problema de que entre nós e os outros países de expressão portuguesa, sobretudo o Brasil, não há um mercado cultural (no caso do livro, um mercado com envios postais mais baratos e uniformizados, com baixos impostos para os livros, com abatimento das barreiras alfandegárias, etc). Um mercado em que enviar um livro para o Brasil não custe um terço do seu PVP, obrigando à desistência dos leitores brasileiros interessados (falo por experiência: nunca tivemos um livro nosso recusado por leitores brasileiros pela sua ortografia, mas pelo custo dos portes, ou "fretes", de envio). Tivesse-se primeiro tratado da criação desse mercado da palavra impressa, e eu seria hoje um acérrimo defensor do AO.

Quando, há uns anos (estava eu na onda da ilusão de que se ia conseguir vender alguns livros a conta firme para livrarias brasileiras), um livreiro de uma das melhores livrarias do Rio (que até queria uns livros da Livros de Areia) me disse ao telefone que lhe ficava mais barato e preferia encomendar livros dos Estados Unidos do que de Portugal, fiquei definitivamente "vacinado" contra esta obsessão do AO. Sem resolver essa simples questão (uma editora portuguesa tem livros que quer vender, um livreiro ou leitor brasileiro tem interesse nesses livros, e o que está entre eles impede a satisfação de ambas as partes), receio bem que este Acordo não servirá de nada.
(PM)

"O requerimento"

"1514, Rio Sinu.
Navegaram muito mar e muito tempo e estão fartos de calores, selvas e mosquitos. Cumprem, não obstante, as instruções do rei: não se pode atacar os indígenas sem requerer, antes, a sua subjugação. Santo Agostinho autoriza a guerra contra quem abuse da sua liberdade, porque na sua liberdade estariam em perigo não sendo domados; mas bem o diz Santo Isidoro que nenhuma guerra é justa sem prévia declaração.
Antes de se lançar sobre o ouro, grãos de ouro talvez do tamanho de ovos, o advogado Martín Fernández de Enciso lê com pontos e vírgulas o ultimato que o intérprete, aos tropeções, demorando-se na entrega, vai traduzindo.
Enciso fala em nome do rei D. Fernando e da rainha D. Juana, sua filha, domadores das gentes bárbaras. Faz saber aos índios do Sinu que Deus veio ao mundo e deixou em seu lugar S. Pedro, que S. Pedro tem como sucessor o Santo Padre e que o Santo Padre, Senhor do Universo, fez mercê ao rei de Castela de toda a terra das Índias e desta península.
Os soldados assam nas armaduras. Enciso letra miúda e sílaba lenta, exige aos índios que deixem estas terras, pois não lhes pertencem, e que, se quiserem continuar a viver aqui, paguem a suas Altezas tributo de ouro em sinal de obediência. O intérprete faz o que pode.
Os caciques escutam, sentados, sem pestanejar, o estranho personagem que lhes anuncia que em caso de negativa ou demora lhes fará guerra, os converterá em escravos bem como suas mulheres e filhos e como tais os venderá e deles disporá, e que as mortes e os danos dessa justa guerra não serão culpa dos espanhóis.
Respondem os caciques, sem olharem para Enciso, que muito generoso com o alheio tinha sido o Santo Padre, que devia estar bêbado quando dispôs do que não era seu, e que o rei de Castela é um atrevido, porque vem ameaçar quem não conhece.
Então, corre sangue.
Em seguida, o longo discurso se lerá em plena noite, sem intérprete e a meia légua das aldeias que serão assaltadas de surpresa. Os indígenas, adormecidos, não escutarão as palavras que os declaram culpados dos crimes cometidos contra eles."

Eduardo Galeano, Memória do Fogo – Os Nascimentos (tradução de António Marques; no prelo)

terça-feira, 5 de julho de 2011

Entre as 100 dos 100



UMA NOVA HISTÓRIA UNIVERSAL DA INFÂMIA de Rhys Hughes, que publicámos em Abril de 2006, está entre as 100 edições mais marcantes dos 100 meses (e correspondentes aos 100 números) de vida da revista Os Meus Livros, na edição que este mês comemora esse aniversário.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Nem mais

"... eu gostaria de lembrar ao Francisco José Viegas que caminhos sem retorno também eram, ou são, o TGV, o aeroporto de Alcochete, a bancarrota, a gripe suína e o declínio do Belenenses. O trabalho de um governante consiste, suponho, em tentar contrariar as desgraças ditas inevitáveis. Aceitá-las de braços caídos tende um bocadinho para o fácil e talvez não justifique o salário. [...] Se o objectivo do Governo eleito fosse torrar fortunas em disparates, a 'implementação' do AO viria a calhar. Sucede que o momento é, ou assim nos garantem, de austeridade, por isso dói ver aumentos de impostos contrabalançados por desperdícios quantitativamente pequenos e simbolicamente desmesurados." (Alberto Gonçalves, in "Diário de Notícias", 03.07.2011)

sexta-feira, 1 de julho de 2011

"Só por aberrante raciocínio"

Da crónica de Vasco Graça Moura no Diário de Notícias de 29.06.11 (e se precisam de explicador ou "diagramas" para perceberem isto, não há Acordo que vos salve...):

"Isto é tanto mais grave quanto é certo que o Acordo Ortográfico não se encontra em vigor. Só por aberrante raciocínio jurídico poderia aceitar-se o contrário, uma vez que o documento não foi ratificado nem por Angola nem por Moçambique, pelo menos. Logo não produz efeitos na ordem interna de nenhum dos oito países subscritores. [...]

Não vale absolutamente nada um protocolo laboriosamente parturejado na CPLP, para forçar os países que não querem acordo nenhum a 'engolirem' o dito, lá porque houve três ratificações.

Esse protocolo também não foi ratificado. E há onze anos que esses países mostram que não querem o acordo. Lembram-se de que, por cá, havia uns responsáveis da Cultura que há uns tempos andavam a anunciar triunfalmente a ratificação iminente dele por Angola e Moçambique? Era já para dali a meia dúzia de dias... [...]

A 'aplicação' do Acordo a que se vem assistindo em Portugal viola nada mais nada menos do que... o próprio Acordo, uma vez que se está a abrir a porta à divergência ortográfica ao abrigo do delirante princípio das facultatividades.

Foge-se à norma por aplicação absolutamente insensível e estúpida da base IV do documento: no Brasil nunca se escreveu aceção, perceção, deceção, receção, espetador, rutura, perentório... Basta consultar um qualquer dicionário brasileiro."

Novo URL

Podem aceder ao nosso site pelo novo url: http://livrosdeareiaeditores.com. Divulguem e façam constar, se fizerem o favor. Obrigados.

"Caminho sem retorno"

" 'O acordo ortográfico é uma nova norma do acordo a que se chegou e é para ser implementado. Vamos prosseguir o trabalho de implementação porque é um caminho sem retorno', disse à agência Lusa Francisco José Viegas." (in Sol, 29.06.11)
Aparentemente, os poderes concedidos ao novo Secretário de Estado da Cultura não abrangem a marcha-atrás (nem, pelos vistos, a clareza de discurso: "o acordo ortográfico é uma nova norma do acordo a que se chegou"?). Marcha-atrás para onde, perguntarão. Não muito atrás, apenas a Outubro de 2010. Nesse mês, o Partido Social Democrata (pelo qual Francisco José Viegas foi eleito deputado por Bragança e depois empossado como responsável pelos assuntos culturais do XIX Governo) publicou, através do seu Gabinete de Estudos Nacional, um relatório intitulado Cortar na Despesa, compilado a partir de sugestões apresentadas ao partido e consideradas por este relevantes. Ora é precisamente este termo, "relevante", que se usa na página 16 desse relatório para designar a proposta relacionada com o Acordo Ortográfico:

"Outra proposta relevante foi a rejeição do Acordo Ortográfico, de modo a evitar os custos que a sua aplicação imporá ao sector editorial."

Além do adjectivo, o nome "custos" pareceria, agora, em plena governação sob tutela da "troika", poder funcionar como campainha de alerta para um ponderado regresso ao texto deste relatório e uma meia-volta na senda do "Acordo". Mas parece não ser isso que pensa o Secretário de Estado, o qual, a julgar pelas suas próprias palavras, irá decidir com base em retórica vaga e metendo-se em caminhos "sem retorno". Esperemos que não acabe num beco. Sem saída.