"1511, Yara.
Nestas ilhas e nestes lugares de tortura, são muitos os que escolhem a morte, enforcando-se ou bebendo veneno junto de seus filhos. Os invasores não podem evitar esta vingança, mas sabem explicá-la: os índios, tão selvagens que pensam que tudo é natural, dirá Oviedo, são gente por natureza ociosa e viciosa, e de pouco trabalho... Muitos deles, como seu passatempo, mataram-se com veneno para não trabalhar, e outros enforcaram-se por suas próprias mãos.
Hatuey, chefe índio da região da Guahaba, não se suicidou. Em canoa fugiu de Haiti, juntamente com os seus, e refugiou-se nas covas e nos montes do oriente de Cuba.
Aí apontou para uma cesta cheia de ouro e disse:
- Este é o deus dos cristãos. Por ele nos perseguem. Por ele mataram os nossos pais e os nossos irmãos. Bailemos para ele. Se a nossa dança lhe agradar, este deus mandará que não nos maltratem.
Apanham-no três meses depois.
Atam-no a um pau.
Antes de acender o fogo que o reduziria a carvão e cinza, um sacerdote promete-lhe glória e eterno descanso se aceitar baptizar-se. Hatuey pergunta:
- Nesse céu, estão os cristãos?
- Sim
Hatuey escolhe o inferno e a lenha começa a crepitar."
Eduardo Galeano, Memória do Fogo – Os Nascimentos (tradução de António Marques; no prelo)
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