sábado, 30 de abril de 2011

E porque não...

... duas Feiras do Livro? Uma dos editores pequenos, médios, remediados, assim-assim e alfarrabistas (a das "barraquinhas" e farturas) e outra a dos "donos dos livros". Em datas distintas, no mesmo local. Se o mercado está a partir-se em dois por força dos 3 grupos, porque não assumir isso já na Feira, e acabar com esta convivência incómoda, o cheiro a sovaco de uns abafado com borrifadelas de Chanel n.5 de outros? Tenho é a impressão de que, no fim, os "analistas" do mercado ficariam espantados com a comparação dos números da afluência entre as duas feiras. (PM)

sexta-feira, 29 de abril de 2011

terça-feira, 26 de abril de 2011

Por falar em Feira...

Estaremos presentes na Feira do Livro de Lisboa nos pavilhões da Companhia das Artes (A40 e A42).

Pergunta inocente

Se a Babel, a Leya e a Porto Editora são os "donos dos livros", que papel tem a APEL? E será que na próxima Feira se vai começar a pagar directamente ao triunvirato, em vez de à APEL, pela honra de lá se estar?

terça-feira, 12 de abril de 2011

"POSTALAPOCALÍPTICA": em tempo de crise



T-SHIRTS a preço de crise: temos algumas t-shirts "POSTALAPOCALÍPTICA", com um mini conto exclusivo de Rhys Hughes estampado na frente, a 8.00 Euros. Disponíveis em tamanhos S (1), M (3), L (2) e XL (4). STOCK LIMITADO E FINAL. Consultem a LOJA no nosso site.

sábado, 9 de abril de 2011

"Hatuey"

"1511, Yara.
Nestas ilhas e nestes lugares de tortura, são muitos os que escolhem a morte, enforcando-se ou bebendo veneno junto de seus filhos. Os invasores não podem evitar esta vingança, mas sabem explicá-la: os índios, tão selvagens que pensam que tudo é natural, dirá Oviedo, são gente por natureza ociosa e viciosa, e de pouco trabalho... Muitos deles, como seu passatempo, mataram-se com veneno para não trabalhar, e outros enforcaram-se por suas próprias mãos.
Hatuey, chefe índio da região da Guahaba, não se suicidou. Em canoa fugiu de Haiti, juntamente com os seus, e refugiou-se nas covas e nos montes do oriente de Cuba.
Aí apontou para uma cesta cheia de ouro e disse:
- Este é o deus dos cristãos. Por ele nos perseguem. Por ele mataram os nossos pais e os nossos irmãos. Bailemos para ele. Se a nossa dança lhe agradar, este deus mandará que não nos maltratem.
Apanham-no três meses depois.
Atam-no a um pau.
Antes de acender o fogo que o reduziria a carvão e cinza, um sacerdote promete-lhe glória e eterno descanso se aceitar baptizar-se. Hatuey pergunta:
- Nesse céu, estão os cristãos?
- Sim
Hatuey escolhe o inferno e a lenha começa a crepitar."

Eduardo Galeano, Memória do Fogo – Os Nascimentos (tradução de António Marques; no prelo)

segunda-feira, 4 de abril de 2011

"Morrem aqui, renascem ali"

"1677, Old Road Town.
Não o sabe o corpo, que pouco sabe, nem o sabe a alma que respira, mas sabe-o a alma que sonha, que é a que mais sabe: o negro que se mata na América ressuscita em África. Muitos escravos desta ilha de Saint Kitts deixam-se morrer negando-se a comer ou comendo não mais do que terra, cinza e cal; e outros atam-se uma corda ao pescoço. Nos bosques, entre as lianas que pendem dos grandes salgueiros-chorões, pendem escravos que não somente matam, ao matarem-se, a sua memória de dores; ao matarem-se também iniciam, em branca canoa, a viagem de regresso às terras de origem.
Um tal Bouriau, dono de plantações, anda na folhagem, machadinho na mão, decapitando enforcados:
– Pendurem-se, se quiserem! – adverte os vivos. – Lá nos vossos países não terão cabeça nem poderão ver, nem ouvir, nem falar, nem comer!
E outro proprietário, o mayor Crips, o mais duro castigador de homens, entra pelo bosque com uma carreta carregada de caldeiras de açúcar e peças de moinhos. Busca e encontra os seus escravos fugidos, que se reuniram e estão atando nós e escolhendo ramos, e diz-lhes:
– Continuem, continuem. Eu me enforcarei com vocês. Vou acompanhá-los. Comprei em África um grande engenho de açúcar, e lá vocês trabalharão para mim.
O mayor Crips escolhe a árvore maior, uma ceiba imensa; enlaça a corda à volta do seu próprio pescoço e enfia o nó corrediço. Os negros olham para ele, aturdidos, mas a sua cara é uma pura sombra por baixo do chapéu de palha, sombra que diz:
– Vamos, todos! Depressa! Preciso de braços na Guiné!"

Eduardo Galeano, Memória do Fogo – Os Nascimentos (tradução de António Marques; no prelo)

"Cláudia, a feiticeira"

"1674, Potosi.
Com a mão movia as nuvens e cantava ou afastava tormentos. Num abrir e fechar de olhos trazia gente de terras muito distantes e também da morte. A um corregedor das minas de Porco fez-lhe ver Madrid, a sua pátria, num espelho; e a dom Pedro de Ayamonte, que era de Utrera, serviu-lhe à mesa tortas recentemente feitas num forno de lá. Fazia brotar jardins nos desertos e tornava virgens as amantes mais sabidas. Salvava os perseguidos que buscavam refúgio em sua casa, transformando-os em cães e gatos. Ao mau tempo, boa cara, dizia, e à fome, guitarradas: tangia a viola e agitava a pandeireta e assim ressuscitava os tristes e os mortos. Podia dar aos mudos a fala e tirá-la aos charlatães. Fazia amor à intempérie, com um demónio mui negro, em pleno campo. A partir da meia-noite, voava.
Tinha nascido em Tucuman, e morreu, esta manhã, em Potosi. Em agonia chamou um padre jesuíta e disse-lhe que tirasse da gavetinha certos vultos de cera e lhes tirasse os alfinetes que tinham espetados, que assim se curariam cinco padres que ela tinha feito adoecer.
O sacerdote ofereceu-lhe confissão e misericórdia divina, mas ela riu-se e a rir morreu."

Eduardo Galeano, Memória do Fogo – Os Nascimentos (tradução de António Marques; no prelo)

domingo, 3 de abril de 2011

"Os serventes brancos"

"1666, Londres.
Três barcos cheios de serventes brancos deslizam pelo Tamisa rumo ao mar. Quando abrirem as suas comportas, na remota ilha de Barbados, os vivos marcharão para as plantações de açúcar, algodão e tabaco, e os mortos para o fundo da baía.
'Espíritos' se chamam os traficantes de serventes brancos, bem mágicos na arte de evaporar gente: enviam para as Antilhas as putas e os vagabundos sequestrados nos bairros baixos de Londres, os jovens católicos caçados na Irlanda e na Escócia e os presos que esperavam pela forca no cárcere de Bristol por terem matado um coelho em terras privadas. Armazenados à chave, nos porões dos barcos, acordam os emborrachados apanhados nos cais, e com eles viajam até às Américas algumas crianças atraídas com guloseimas e muitos aventureiros enganados pela promessa de fortuna fácil. Lá, nas plantações de Barbados ou da Jamaica ou da Virgínia, lhes espremerão o sumo até que tenham pago o seu preço e o preço da passagem.
Os serventes brancos sonham em tornarem-se donos de terras e de negros. Quando recuperam a sua liberdade, ao cabo dos anos de dura penitência e trabalho sem salário, a primeira coisa que fazem é comprar um negro que lhe abane o leque à hora da sesta.
Há quarenta mil escravos africanos em Barbados. Os nascimentos registam-se nos livros de contabilidade das plantações. Ao nascer, um negrito vale meia libra."

Eduardo Galeano, Memória do Fogo – Os Nascimentos (tradução de António Marques; no prelo)