segunda-feira, 4 de abril de 2011

"Cláudia, a feiticeira"

"1674, Potosi.
Com a mão movia as nuvens e cantava ou afastava tormentos. Num abrir e fechar de olhos trazia gente de terras muito distantes e também da morte. A um corregedor das minas de Porco fez-lhe ver Madrid, a sua pátria, num espelho; e a dom Pedro de Ayamonte, que era de Utrera, serviu-lhe à mesa tortas recentemente feitas num forno de lá. Fazia brotar jardins nos desertos e tornava virgens as amantes mais sabidas. Salvava os perseguidos que buscavam refúgio em sua casa, transformando-os em cães e gatos. Ao mau tempo, boa cara, dizia, e à fome, guitarradas: tangia a viola e agitava a pandeireta e assim ressuscitava os tristes e os mortos. Podia dar aos mudos a fala e tirá-la aos charlatães. Fazia amor à intempérie, com um demónio mui negro, em pleno campo. A partir da meia-noite, voava.
Tinha nascido em Tucuman, e morreu, esta manhã, em Potosi. Em agonia chamou um padre jesuíta e disse-lhe que tirasse da gavetinha certos vultos de cera e lhes tirasse os alfinetes que tinham espetados, que assim se curariam cinco padres que ela tinha feito adoecer.
O sacerdote ofereceu-lhe confissão e misericórdia divina, mas ela riu-se e a rir morreu."

Eduardo Galeano, Memória do Fogo – Os Nascimentos (tradução de António Marques; no prelo)

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