segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O que o juiz vai ver (II)



MACBETH (1971)
Um filme sobre uma peça do Sr. Shakespeare em que nenhum dos actores usa collants e fala como o Sr. Olivier?... Crime de lesa-majestade! Bruxas velhas, sujas e nuas , Lady Macbeth... nua (jovem, mas infelizmente não adolescente... pena, podíamos apanhá-lo já aqui!), um Macbeth que mata mesmo e não se limita a falar sobre isso e nem uma cena com o Ian McKellen de barba branca... Culpado! (N.º de adolescentes violadas no filme: bem..., de facto... nenhuma)



WHAT? (1972)
Uma "comédia absurda" (como pode uma comédia ser absurda senão na cabeça de um pervertido? – anotar esta ideia para passar ao Procurador) baseada na Alice no País das Maravilhas em que uma jovem americana (adolescente??... pois, não...) foge a uma tentativa de violação (ahhh, começamos a ter algo...) se perde numa villa de degenerados (pronto, apanhámo-lo!)... mas passa o resto do filme a fugir de um Marcello Mastroianni meio impotente e no meio de outras personagens que não se interessam por ela... Pelo topete de fazer um filme onde nada se passa, e ainda por cima com música de Schubert, culpado! (N.º de adolescentes violadas no filme: a minha secretária está a trazer-me a contagem neste momento, é agora , é agora que o apanha... zero...)



CHINATOWN (1974)
Pelo simples topete de afirmar que a bela e muy justa cidade de Los Angeles é o produto da corrupção moral e da especulação imobiliária, este senhor já têm garantidos uns 99 anos de prisão, à minha conta (nota: negar ligações do meu avô ao escândalo de compra de terras "inúteis" nos anos 30, caso venham a público). De novo facas, que o Sr. Polanski introduz voluntária e deliberadamente na narina dessa instituição americana que é o Sr. Nicholson, o que lhe dará mais umas dezenas de anos de acumulação de pena. Falta apenas que me tragam a contagem das violações para fechar este caso, e nem preciso de ver mais nada... (N.º de adolescentes violadas no filme: zero)



O INQUILINO / THE TENANT (1976)
As coisas compõem-se: Polanski gosta de se vestir de mulher e este filme é a prova cabal (e, quanto a mim, final) disso mesmo. Também bate numa criança (nota: aconselhar a equipa de acusação a ignorar o facto de ele estar a, como se diz?, "representar" um esquizofrénico), fuma e deixa cair lixo no corredor quando o vai pôr à rua... Culpado! (N.º de adolescentes violadas no filme: pois, já sei, não muitas... quero dizer, nenhuma)

O que o juiz vai ver (I)

Com o perdão já concedido publicamente (no Larry King Live) pela então adolescente Samantha Geimer (e agora mãe de família que não deseja expor os seus filhos a este inferno), com dezenas de testemunhas abonatórias do carácter de Polanski por toda Los Angeles, com as provas da má condução do caso por parte do juiz Rittenband em 1977 reunidas no filme Polanski: Wanted and Desired, o juiz americano a quem cair este caso não terá outro remédio senão recorrer ao que a acusação fez há 30 anos: ver os filmes e procurar aí provas inabaláveis de culpa. Eis o que ele vai ver (e como):



FACA NA ÁGUA (1962)
Polanski gosta de facas. E de as meter na água (perversão!). Cobiça a mulher do próximo (e casada!) E usa uma linguagem estranha, que um americano médio não entende e que pode confundi-lo (um código secreto para uma invasão?) Veredicto: culpado! (N.º de adolescentes violadas no filme: zero)



REPULSA / REPULSION (1964)
Uma senhorita loira que anda semi-nua, de faca na mão, num apartamento com janelas abertas... (não esquecer de lembrar a Miss ... para não andar tão... à vontade com as janelas abertas... e para não usar o meu cartão de crédito, não vá a Mrs. ... descobrir) Sons de um "orgasmo", ruídos estranhos, um coelho podre, nem uma cena com a Doris Day... Culpado! (N.º de adolescentes violadas no filme: zero... hmm)



O BECO / CUL DE SAC (1966)
Um homem careca vestido de mulher... pela própria mulher! História esquisita, sem números musicais, a preto-e-branco (de novo!), com música jazz e ambiente "beatnik"... Disseram-me que era baseado nas obras dum tal de Beckett, irlandês, mas pensei que fosse uma boa comédia com a Maureen O'Hara e o John Wayne! Bons tempos os da cadeira eléctrica! Culpado! (N.º de adolescentes violadas no filme: zero... deixa-me contar de novo... não, é mesmo zero)



A SEMENTE DO DIABO / ROSEMARY'S BABY (1968)
O conselheiro espiritual da congregação libertou-me do pecado para que pudesse ver o filme, mas nem o consegui ver todo... A Sra. Mia Farrow a servir de concubina do Demo, quando era a esposa do Sr. Sinatra! Sacrilégio! T'arrenego, com toda a força investida em mim pela irmandade Mórmon! (nota: propor ao Governador a reinstauração dos Autos-da-Fé na Califórnia até ao final do ano). Culpado! (N.º de adolescentes violadas no filme... ao menos uma haverá, não?!: não acredito, ZERO!)

(Continua)

domingo, 27 de setembro de 2009

Cuckoo clocks

A Suíça, que baseou a sua riqueza em grande parte na apropriação das contas bancárias das famílias judias endinheiradas deportadas para os campos da morte pelos Nazis (e das contas criadas pelos próprios carrascos com esses fundos "alienados"), e tem feito fortuna continuada com o negócio do sigilo bancário, que permite douradas reformas a ditadores e extorsionários de farda por esse mundo fora, achou por bem assistir o sistema judiciário dos EUA, prendendo o realizador septuagenário Roman Polanski com base em acusações com 30 anos.

A "lógica" por detrás dessas acusações foi entretanto desmontada e explicada num documentário chamado Polanski: Wanted and Desired de Marina Zenovitch, que mostra como um juiz ultra-conservador (apesar de manter uma relação secreta com duas mulheres de 20 anos) e auto-proclamado "caçador de celebridades" quis fazer do "caso Polanski" o seu trampolim para a fama. O mesmo sistema judiciário que montou o espectáculo dos julgamentos de O.J. Simpson e Michael Jackson quer agora certamente "emendar-se" e provar que consegue pôr celebridades na cadeia.

Um indício de como, mais de 30 anos depois, a mentalidade puritana norte-americana (e canadiana, no caso) e tudo aquilo que Polanski supostamente representa para ela (a sofisticação europeia e o exotismo de um "artista maldito") não combinam está neste texto do site do Calgary Herald, a propósito da reedição em DVD de What? de 1972:

In October, a video of a little-seen 1972 Polanski film, called What?, is to be released. It's a comedy about an American girl locked in a Mediterranean villa and features scenes of gang rape and sodomy. Polanski himself is in the film. How could he not be?

Quem viu e conhece What?, produzido pelo maior produtor de Itália de então, Carlo Ponti, e que tinha como estrela Marcelo Mastroianni (e música de Schubert, A Donzela e a Morte), sabe que não há qualquer cena de violação ou sodomia no filme, uma das obras-primas da comédia absurda e melancólica, um género em que Polanski fez outro grande filme, Cul-de-Sac de 1966. Convém que alguém diga isto ao juiz que assumir o caso. As simplificações e deturpações só ficam mesmo bem quando um Harry Lime, pela boca de Orson Welles, as profere.
(PM)

Uma pergunta... antes do voto

Dentre os vários programas que vão mais logo a votos, poder-se-á extrair um parágrafo, uma linha, uma palavra que seja sobre a política e a estratégia de defesa do livro (não da ideia abstracta de livro, mas do produto da actividade editorial), da leitura e da Língua Portuguesa para os próximos tempos?

Para ler... antes do voto

"O Secretário de um Partido Político perguntou a um Distinto Cavalheiro, ocupado com os seus negócios:
– Quanto é que o senhor estaria disposto a pagar para conseguir um emprego público?
– Nada – respondeu o Distinto Cavalheiro.
– Mas o senhor daria, sem dúvida, uma determinada importância para alimentar o cofre donde extrairíamos os fundos para a sua campanha eleitoral – insistiu o Secretário do Partido Político, piscando o olho.
– Oh, não – replicou o Distinto Cavalheiro, num tom grave. – Se os meus concidadãos desejarem que eu trabalhe para eles, devem-me convidar para isso, sem que eu me proponha. Cá por mim, sinto-me muito satisfeito por não exercer funções públicas.
– Mas uma eleição é uma coisa muito desejável. Não há maior honra do que a de servir o povo.
– Se o servir constitui uma honra, seria indecente da minha parte procurar fazê-lo; por outro lado, se o obtivesse graças aos meus esforços, a coisa deixaria de constituir uma honra.
– O senhor estará, pelo menos, disposto, espero eu, a dar a sua adesão ao programa do Partido?
– Parece-me muito possível que os seus autores tenham exprimido as minhas opiniões sem me consultarem; e se eu desse a minha adesão à sua obra, sem a aprovar, não passaria de um mentiroso.
– O que o senhor é, é um detestável hipócrita e um rematado imbecil! – gritou o Secretário do Partido Político.
– Pois apesar da boa opinião que parece ter sobre a minha capacidade para exercer essas tais funções públicas, nada há que me consiga convencer –rematou o Distinto Cavalheiro."

Ambrose Bierce, "O Secretário do Partido Político e o Distinto Cavalheiro", in Fábulas Fantásticas, Estampa, 1971 (tradução de J. Fonseca Amaral)

sábado, 26 de setembro de 2009

Por falar em Bolaño...

No meio desta barragem de fogo acerca de 2666 (que me parece ser uma obra de facto intrigante, e que espero ler na cópia da edição espanhola mais barata que conseguir agarrar), ninguém se lembrou de mencionar a primeiríssima vez (assim me parece) em que o nome do escritor foi publicado em Portugal. Alguém se lembra? Eu dou uma ajuda: foi em 2002, na edição da ASA de Os Soldados de Salamina, um excelente romance de Javier Cercas que li em 2003 (com tradução de Helena Pitta). Bolaño era uma das personagens que o autor/pesquisador encontrava na senda do misterioso falangista Sanchez Mazas, e tão bem descrita era que pensei ser uma invenção de Cercas. Era já o Bolaño perto da morte e muito longe de se imaginar no centro destas movidas editoriais da moda. (Já a Blanca Riestra, a autora de O Sonho de Borges, andava pelo Novo México a ler excertos da sua obra antes de 2007, quando nos falou dele e deste 2666). (PM)

Para o dia de reflexão


De preferência, nesta mesmíssima edição da Estampa de 1971 (da célebre colecção “Livro B”), com os desenhos de Batarda Fernandes em perfeita sintonia com o texto de Ambrose Bierce e a tradução limpa de Fonseca Amaral (apesar de suspeitamente feita a partir de um original intitulado Fables Fantastiques, i.e. da edição francesa, e não do Fantastic Fables de 1899, sinal da francomania reinante então por cá). Aviso aos utopistas, optimistas e outros “cândidos”: correm o risco de ficarem a lê-lo e relê-lo amanhã e esquecerem o voto (e a sua necessidade…).

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Borges por nós

E eis como vimos – e pusemos em duas capas – o rosto de Borges (ele que nos desculpe, pois foi com a melhor das intenções...): Borges, o Mago (assumindo a "máscara" de Rhys Hughes) e Borges, o Golem de Praga.

Borges por Borges


Retrato de memória após a chegada da cegueira? Ou mapa detalhado do Jardim dos Caminhos que se Bifurcam? (via Revista Ñ)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A literatura fantástica

"Quando se menciona a expressão 'literatura fantástica' várias reacções surgem de imediato. Para uns ela significa um género literário menor, marginal, uma literatura de mera fruição que se lê, despreocupadamente, durante as férias, ou ainda algo que é próprio para crianças ou jovens. Outros, quando confrontados com obras fantásticas de autores consagrados da chamada mainstream literature, isto é, da principal corrente literária aceite pelo público e por críticos como sendo 'a grande literatura', consideram-nas meros devaneios do 'génio', episódios sem significado de maior, ou resultados de uma moda, efémera como todas. Há, também, os que lêem quase exclusivamente obras fantásticas, enaltecendo as suas qualidades com o mesmo vigor com que outros as desprezam. Referindo ainda casos extremos de aceitação e de recusa da qualidade literária de obras pertencentes ao género fantástico, lembro aqueles que, extrapolando para além de limites admissíveis, defendem que toda a literatura é fantástica. Outros, colocando-se no extremo oposto, afirmam que tal género literário não existe, porque o fantástico não é sequer uma categoria do pensamento .
Estas posições antagónicas, ditadas muitas vezes pela emoção, estão na origem de certas afirmações pseudocientíficas claramente levianas produzidas em relação a este género literário. Para alguns críticos esta forma de expressão artística pertence à literatura popular, marginal à mainstream literature, tradicionalmente definida como mimético realista. Por isso, o fantástico é frequentemente considerado indigno de um estudo profundo, crítico e rigoroso. Rosemary Jackson, na obra Fantasy: The Literature of Subversion, refere-se a este comportamento da crítica literária e afirma que 'ao longo da sua história o fantástico tem sido ignorado e fechado à chave, enterrado como algo inadmissível e vergonhoso. [...] sistematicamente rejeitado pelos críticos como tratando-se de uma cedência à loucura, à irracionalidade ou ao narcisismo, [o fantástico] tem sido contraposto às práticas mais humanas e civilizadas da literatura realista.'"

Excerto de A Problemática do Espaço em "O Senhor dos Anéis" de Maria do Rosário Monteiro (o próximo livro que publicaremos, este Outono).

A criação de mundos fantásticos segundo Tolkien



"Tolkien foi um dos autores que mais pormenorizadamente dissertou sobre a problemática da criação de mundos fantásticos. No artigo 'On Fairy-Stories' afirma a necessidade de o mundo ficcional possuir leis que lhe dêem uma certa ordem e consistência: '[O escritor] cria um Mundo Secundário no qual a nossa mente pode penetrar. Dentro dele, o que [o escritor] narra é «verdadeiro»: está de acordo com as leis desse mundo. Por isso [o leitor] acredita enquanto permanece, por assim dizer, dentro desse mundo. No momento em que a descrença surge, o feitiço quebra-se; a magia, ou antes a arte, falhou. Então [o leitor] está de novo no Mundo Primário, observando, do exterior, o pequeno e abortado Mundo Secundário'. É a arte do escritor que confere ao mundo fantástico a consistência e a verosimilhança necessárias para que o leitor se possa integrar nesse mundo, pelo menos durante o tempo que dura a leitura: 'Criar um Mundo Secundário no qual o sol verde seja credível [...] requererá, provavelmente, trabalho e concentração intelectual, bem como exigirá uma capacidade específica, uma espécie de arte élfica. Poucos são os que tentam tais empreendimentos. Mas quando o fazem com êxito, estamos perante uma proeza rara da Arte, da arte narrativa na sua primeira e mais potente forma'. Para que o mundo fantástico possua consistência e verosimilhança o autor tem de recriar os elementos do mundo real, dando-lhe novas propriedades, novas formas, eventualmente novos nomes. As raízes do mundo fantástico têm de estar inevitavelmente mergulhadas no mundo real."

Excerto de A Problemática do Espaço em "O Senhor dos Anéis" de Maria do Rosário Monteiro (o próximo livro que publicaremos, este Outono). Ilustração: The Lonely Mountain por Tolkien.

sábado, 12 de setembro de 2009

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta

Duro e conciso, como sempre, mas preciso o post de João Gonçalves sobre a "trasladação" dos ossos de Jorge de Sena, esse tipo de espectáculos lúgubres que os Estados gostam de se oferecer e oferecer à memória de quem trataram mal ou, no caso, de quem escolheu sair de cá para poder ser em plenitude o brilhante pensador e homem de letras que esta "pátria amada" nunca quis ter. No fundo, para não acabar como o objecto dos seus estudos mais dedicados, Camões. Num país de um milhão de analfabetos, trazer ossos de escritores serve de quê? [PM]

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Representação no Brasil

Somos representados no Brasil pela Sequência – Representação Editorial, sedeada em Florianópolis, que irá promover e fazer chegar junto dos livreiros (e demais interessados) nesse território oito títulos do nosso catálogo.