terça-feira, 24 de agosto de 2010

Um Covadlo vale outro

Promoção Lázaro Covadlo: na compra de um dos livros de Lázaro Covadlo, oferecemos o outro. Quem comprar um BURACOS NEGROS, leva um CRIATURAS DA NOITE. E vice versa. Apenas e só em compras através do nosso site ou blogue. (Válido até finais de Setembro).

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Entrevista a Elise Blackwell



Eis uma entrevista a Elise Blackwell, autora de FOME.

Quando é que surgiu a ideia de escrever FOME?
Depois de fazer uma pós-graduação dei por mim a viver numa propriedade perto da fronteira mexicana, entre San Diego e Tijuana. Ajudei a tratar das árvores de frutos que já estavam plantadas e ajudei também a plantar vegetais e outras plantas. Juntei-me ao Seed Savers Exchange, que é um grupo de agricultores e jardineiros de todo o mundo que trocam sementes raras e antigas. Foi numa das suas publicações que descobri a história do que se tinha passado no Instituto Vavilov durante a II Guerra Mundial. Havia uma foto do herbário do Instituto, com armários de madeira e filas de gavetas estreitas. Lembrava-me as salas onde passei grande parte da minha infância. Mas o que me causou grande impressão foi a foto de Vavilov tirada na prisão. Quando a vi soube que iria escrever um livro sobre o seu trabalho.



O facto de ambos os seus pais serem botânicos foi importante na escolha da história?
Talvez mais do que eu queira admitir, mas teve, pelo menos, alguma importância. Embora não conhecesse a história dos cientistas que tinham morrido para proteger o seu trabalho, tinha sabido de Nikolai Vavilov pelos meus pais. E, por causa deles, também conheci outros biólogos e assisti às suas reuniões. O meu conhecimento do tipo de trabalho que eles fazem ajudou muito, estou certa, sobretudo porque estava a escrever sobre um local tão longínquo.

O narrador sem nome é um personagem muito frio, clinicamente objectivo, quase destituído de paixão dir-se-ia. É também um mulherengo e, quando a situação se torna difícil, não tem quaisquer problemas em fazer o que os seus colegas e a sua mulher prometeram não fazer. Para uma mulher estreante na ficção, foi um grande desafio escrever uma personagem assim?
Vou contar um segredo: Fome não foi a primeira novela ou romance que escrevi, apenas a primeira que foi publicada. Ainda assim, sei que há uma tendência, mesmo em romancistas que já publicaram um primeiro livro, de se basearem em material autobiográfico, mas aqui estava eu a pegar num narrador tão distante da minha própria identidade e experiência de vida quanto possível. Ainda que não me considere fria nem tenha uma mentalidade “clínica”, acabei por desenvolver uma espécie de simpatia por ele, em parte graças a ligações que me obriguei a fazer. (Por exemplo, a sua fruta favorita é a minha também: a manga). Também acabei por admirar o seu desejo de experimentar. Pode ter uma mentalidade clínica mas tem uma paixão pela vida, o que no seu caso, claro, inclui comida e mulheres. Num outro tempo e num outro lugar, talvez tivesse provado ser alguém mais honrado, mas a sua coragem é apenas física e não moral ou psíquica.

As duas mulheres na vida do cientista, Alena e Lídia, são muito diferentes uma da outra, quase opostas. Será que poderíamos considerá-las como espelhos para os dois lados dessa personagem, o homem racional com Alena e o homem de apetites com Lídia?
Não decidi, de forma consciente, escrevê-las assim, mas acho que poderia concordar com essa análise. E, na verdade, esses dois lados existem em todos nós. Vejo Alena – pelo menos a versão dela que é idealizada pelo narrador – como a pessoa que ele gostaria de ser. É totalmente racional, e nunca tem qualquer dúvida sobre se irá ou não fazer o que está certo. (Acho realmente que a idealização que o narrador faz de Alena e do seu sacrifício o impede de dar valor às emoções dela, em particular no episódio da criança, a Albertine). A Lídia é a pessoa que ele receia bem ser: uma sensualista egocêntrica. Tal como o narrador, ela raramente se nega o que deseja e é também uma espécie de coleccionadora, quer seja de plantas ou de homens. No fim, ele descobre que pode também tê-la subestimado um pouco.

Com a ameaça de demolição da estação experimental de Pavlovsk, que poria um fim à colecção de sementes de Vavilov, acha que a Leninegrado de 1942-43 está já no processo de se transformar numa outra Babilónia, num outro nome do passado, belo mas sem sentido (tal como Paul Valéry escreve no poema que usou como epígrafe do livro)?
Ainda tenho alguma esperança no que toca à estação de Pavlovsk, agora que o presidente Medvedev prometeu uma investigação. Mesmo que o bulldozer arrase Pavlovsk – por muito horrível que isso possa parecer – não se trata de toda a colecção Vavilov. Um sinal promissor é que Vavilov é ainda um herói para muitos russos. O seu nome e o seu trabalho ainda fazem sentido, ainda mexem com as emoções. Por isso, talvez ainda não Babilónia, mas essa palavra, “Babilónia”, serve para nos lembrarmos que civilizações inteiras, apesar de ricas e complexas, podem ser obliteradas. Há muito bom trabalho a ser feito no campo da defesa das sementes, e o Silo de Svalbard na Noruega alberga agora meio milhão de sementes, mas muito do que se vê a ser feito na agricultura por todo o mundo sugere que a nossa civilização não planeia estar cá para sempre. Mas paro aí, porque sou uma romancista e não uma cientista ou uma futurologista.

© Livros de Areia Editores, 2010

sábado, 14 de agosto de 2010

"O jardim suspenso de Leninegrado"



Assim se entitula o texto de José Mário Silva na edição da Actual (EXPRESSO) de hoje (pp. 36-37), no qual o crítico não se coíbe de considerar FOME de Elise Blackwell como uma "belíssima novela, de construção narrativa quase perfeita". O livro merece cinco estrelas e uma chamada na capa para a sua autora.
Lembramos que a colecção de sementes de Nikolai Vavilov, que está no centro dramático da novela, está em risco de ser destruída por estes dias.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Sementes e patos bravos

Um dos elementos centrais da narrativa de FOME de Elise Blackwell, a enorme colecção de sementes começada em 1926 pelo botânico Nikolai Vavilov (morto numa prisão estalinista em 1943) e albergada que no que viria a ser chamado Instituto Vavilov em Leninegrado (agora São Petersburgo), corre risco de extinção. O que os Nazis, a inclemência do clima russo e os orçamentos reduzidos não conseguiram ao longo de décadas, o camartelo da "Nova Rússia" está prestes a fazer, com a destruição iminente da estação experimental de Pavlovsk, onde se acolhe agora a colecção de sementes. As mesmas que umas dezenas de cientistas prometeram proteger da sua própria fome e da dos outros, e que parecem não ter qualquer valor para os novos patos bravos russos. Para ler aqui e aqui.
Addendum: Elise Blackwell foi convidada pela revista Atlantic a escrever um texto sobre esta situação, que pode ser lido aqui.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Franco Deterioro

Após duas tentativas falhadas, Eduardo Galeano consegue, à terceira, anexar o ficheiro pretendido a um email. Eis a sua brilhante justificação para o erro:

"nuevamente perdón.
no es culpa del alemán, el tal alzheimer, ni del inglés, ése parkinson, sino del italiano, il dottore franco deterioro.
abrazos,
eduardo"

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Três editores com eles (os livros) no sítio


Três recomendações a quem achar que o Verão é uma boa altura para ir ao baú procurar livros mais ou menos raros a preço aceitável. No caso, livros sobre editores. Mais rigorosamente, uma revista e dois livros que evocam as carreiras de três editores franceses dos anos 50 e 60 do século passado, que, juntos, devem ter somado o maior número de acusações e casos célebres em tribunais franceses em dois séculos, e cujos catálogos reunidos são a pedra de toque de uma certa ideia de editar "à margem" com qualidade.
Do fundo do baú chega o número 4 da revista Olympia (1963), publicada no auge da actividade da editora do mesmo nome dirigida por Maurice Girodias. Para quem conhece os livros da Olympia e a sua aversão "estratégica" à imagem (já tinham problemas que chegassem com os textos publicados...), a revista é uma bela surpresa em termos gráficos, a começar pela excelente capa. Publicada integralmente em inglês, tal como todos os livros da Olympia Press, este número contém longos excertos de obras publicadas pela editora, com destaque para o excerto de The ticket that exploded de William Burroughs, autor descoberto por Girodias, poucos anos depois de lançar Lolita de Nabokov. (Sobre este editor e a sua Olympia, ir aqui).
Também não muito fácil de encontrar mas de preço acessível é La legende du Terrain Vague, publicada por Le Dernier Terrain Vague em 1977. Eric Losfeld tinha lançado nesse ano a sua autobiografia, apropriadamente entitulada Endetté comme une mule, livro hoje muito difícil de encontrar, mas este volume serve como introdução à actividade de um dos mais incómodos editores da década de 1960, frequentador assíduo dos tribunais, que acabaram por levá-lo à ruína. Faltando-lhe a "voz" de Losfeld, que morreria dois anos depois, e minado por uma excessiva profusão de depoimentos de valor variável, o livro é, ainda assim, testemunha de uma carreira notável na produção de livros, em que a qualidade visual estava ao mesmo nível dos textos, quando não se lhes sobrepunha muitas vezes, uma marca das edições do Terrain Vague e depois das que ostentavam o nome do próprio editor ao longo dos anos e efeito da sua longa convivência com os surrealistas.
Mais acessível, e de uma importância vital para se conhecer o mundo da edição em França no pós-Guerra, é La traversée du livre (2004, ed. Viviane Hamy), a autobiografia de Jean-Jacques Pauvert, o homem cujas edições d' A História de O e do Marquês de Sade fizeram dele o "inimigo público número um" para os tribunais franceses durante uns anos. Repleto de informações técnicas preciosas, de excertos de documentos, de "retratos" notáveis de escritores e artistas (e de outros editores, nomeadamente Girodias e Losfeld, com retratos implacáveis e inesquecíveis) e muito bem ilustrado, este é um livro modelo para quem quer aprender com a vida e a experiência de um editor. A marca de "sobrevivente" de que Pauvert é um símbolo (sobretudo se comparado com esses gloriosos "perdedores" que foram Losfeld e Girodias) é um dos valores acrescidos a este texto.

Da concorrência "desleal" (ainda)

Um post aqui colocado há dias atraiu um comentário que referia a "concorrência desleal" entre editoras, algo a despropósito do teor do referido post, que se limitava a apontar situações em que jornalistas ou críticos literários são, também, editores ou colaboradores regulares de editoras. O caso não era o de esses críticos escreverem sobre os livros das editoras aos quais estão ligados (como o enérgico comentador dava a entender), mas simplesmente de que se torna estranho para um editor enviar livros de amostra para uma pessoa que é, também ele ou ela, e a tempo parcial ou não tão parcial, um editor, logo, objectivamente um "concorrente".

Mas esse comentário "enxofrado" (para usar a terminologia praticada), trazendo a lume a "deslealdade", fez-me lembrar uma conversa que tive com um editor há uns 2 anos. Falando sobre o estado do "mercado", esse editor foi claro e duro na sua intenção de "subtileza": a solução para os males do dito mercado passaria pelo fecho de algumas editoras, sobretudo das pequenas e médias. A subtileza terá, como o proverbial verniz, estalado quando, ao dizê-lo, o seu olhar se cruzou com o meu, procurando quiçá uma anuência entusiástica ou, quando muito, um silêncio embaraçado. Devolvi-lhe um sorriso, o que não deve ter sido propriamente a resposta esperada.

Pois acontece que vim a descobrir que esse editor estava em situação, digamos, "precária" no que à Segurança Social diz respeito: do seu ÚNICO empregado nos quadros da empresa não eram pagas as devidas mensalidades há mais de 3 anos. Era, pois, uma empresa em clara situação de ilegalidade face a outras que optam por cumprir estritamente as suas obrigações fiscais, não sendo, contudo, e certamente, um caso raro ou único. A minha limitada concordância com as suas palavras nessa conversa prendia-se então com a forma da sua solução, o fecho de algumas editoras, mas divergia claramente no método de "selecção": eu achava, e continuo a achar, cada vez mais, que são as editoras que gastam fortunas em marketing, em obtenção de direitos de publicação, em impressão (abusando muitas vezes de um crédito que leva gráficas atrás de gráficas ao fecho), que pagam dois ou três stands na Feira do Livro mas que, apesar de anos de falta nas declarações às Finanças ou à Segurança Social, se livram de queixas à Inspecção Geral do Trabalho por parte dos seus empregados porque a dependência de um salário e uma ligação afectiva às empresas os impede, de facto, de pôr um termo a essas ilegalidades, que são essas editoras, repito, que deviam fechar ou terem a sua actividade suspensa até regularização da sua situação contributiva.

O facto de "ninguém ligar a isto", como escreveu o nosso expedito comentador, não deixa de fazer "disto" o verdadeiro cerne da questão da "concorrência".
(Pedro Marques)