sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Um Prémio a caminho da opacidade

Sobre a primeira edição dos Prémios de Edição LER/Booktailors publiquei já umas reflexões aqui, há quase um ano. Desta feita, como mero observador não-concorrente, posso permitir-me um pouco mais de acutilância nas reflexões sobre a segunda edição dos mesmos, que publicarei no meu próprio blogue.

O gosto que fica destas duas primeiras amostras é o de uma gradual desilusão e de uma oportunidade perdida, particularmente na articulação com as livrarias (local de contacto entre leitores e livros ainda preponderante no nosso país): quem desejar medir a importância dos Prémios através da visita às livrarias mais importantes, mesmo as que ostentam nos seus blogues o selo de "apoio" aos Prémios, fica com a sensação de um não-evento. Nem exemplares dos livros a concurso expostos, nem possibilidade de votação in loco, nem entusiasmo ou conhecimento por parte dos livreiros. Nada.

Reduzindo o blogue "oficial" dos Prémios a uma mera mesa de voto (e única mesa, repito: nem na LER se pode ver as capas dos livros na corrida e votar), e fechando o seu próprio blogue à possibilidade de discussão aberta e dinâmica sobre esta iniciativa – num receio do contacto com a vox populi que me leva a perguntar porque mantêm as caixas de comentários activas –, os Booktailors, certamente de forma involuntária, concorrem para esta opacidade e pseudo-especialização de um Prémio que devia servir de pretexto à comunhão e participação de todos os amantes de livros, situação que não melhora, pelo contrário, com a "institucionalização" do evento pela ligação com a DGLB e o Correntes d'Escritas.

Mais propenso ainda a suspeitas de opacidade, e bem menos inocente, me parece o facto de membros do júri, perfeitamente designados no regulamento (a saber, Francisco José Viegas, como director da revista LER, co-promotora, e o atelier de design RPVM, através do seus dois sócios, empresa que trabalha em conjunto com os Booktailors), estarem na corrida directa e final em, pelo menos, uma categoria (com uma capa de um livro publicado pela Quetzal, editora dirigida por... Francisco José Viegas).

Mas, como escrevi acima, a reflexão fica para mais tarde.
(PM)

8 comentários:

  1. Muito bom! O descaramento de certos "especialistas" não tem mesmo limites. Mas olhe que este pode ser o último ano do Sr. Viegas na Quetzal, o homem quer sair com um prémio para pôr na lareira... Dê-lhe essa folga! ;)

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  2. Já há algum tempo que me sinto um tanto incomodado com a relação próxima que existe entre muitas figuras das letras, nomeadamente, editores, críticos/jornalistas e outros que tais que blogam e escrevem por aí. Este seu post não será propriamente uma surpresa, antes uma confirmação.

    Existe uma preocupante cultura de adulação e submissão perante a influência que certas figuras detêm, mas talvez isso seja visível apenas para as pessoas que pertencem ao meio. De qualquer modo, o leitor comum decerto que não está interessado nesses prémios e provavelmente nunca ouviu falar neles. E talvez seja melhor assim.

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  3. Caro João, foi precisamente isso que me desiludiu no decorrer da primeira para a segunda edição dos prémios: o afastamento em relação ao "leitor comum". Este detalhe de membros do júri porem a votos para prémio o seu próprio trabalho só vem dar o golpe de misericórdia no que pensei vir a ser um evento credível e que englobasse toda a comunidade que gira em torno dos livros e da edição, "leitores comuns" incluídos e sobretudo.

    Pedro Marques

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  4. Li o seu texto e fui confirmar ao blogue dos Prémio, e não é UMA capa, são TRÊS capas da Quetzal (as outras duas são na categoria de Melhor Fotografia na capa).

    Andreia

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  5. Andreia, o número, a partir de uma, é irrelevante. Basta uma capa nessas condições de conflito de interesses entre a função de concorrente e a de membro do juri, para criar desconforto. Mas enfim...

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  6. Caro Pedro,

    A única coisa que te posso dizer, e daí só a minha palavra te servirá, é que o Francisco José Viegas pediu dispensa de votação na edição deste ano, assim como em todos os casos em que pudesse haver incompatibilidades houve pedidos de dispensa de votação nas respectivas categorias.

    Relativamente à proposta de livros, as mesmas são feitas, exclusivamente, pelas editoras, e nesse caso todos os editores são livres de concorrer, o que pessoalmente agradeço.

    Relativamente ao voto, posso apenas fazer as contas e dizer-lhe que o Júri, para a votação final, tem 40% dos votos, que divididos pelos 18 membros, dá um total de 2,22% por pessoa. Mesmo que metade do júri não votasse (o que não acontece), cada pessoa teria 4,44% dos votos - o que não permite dar a vitória a ninguém, apesar de ser um contributo dado de sua consciência.

    Relativamente à selecção das obras para long list, o poder é maior, mas nunca chega acima dos 6% e apenas permite reduzir a selecção inicial de livros elegíveis.

    Devo também recordar que todos os votos são votos de consciência, têm a ver com as opções estéticas de cada um, algo sempre controverso e pessoal - podemos discordar deles, mas nada podemos fazer em relação a isso.

    Relativamente aos livreiros, temos também pena que os canais de venda não atribuam a importância que nós gostaríamos, mas não podemos obrigar ninguém a nada, tentamos apenas incentivar para que isso aconteça.

    Relativamente ao afastamento do leitor, a revista LER é mensal e a votação pela revista não se torna possível, infelizmente. Também temos tentado outros caminhos, mas estes prémios não são financiados por ninguém e é a Booktailors que suporta todas as despesas, o que não nos permite pensar em outros meios.

    Que podíamos fazer melhor, claro que sim, sempre. Mas organizar um prémio destes é já um trabalho tremendo, e é também um processo sempre a melhorar.

    Pode parecer apenas «langue du bois», mas acredite que fazemos o que podemos com a nossa dimensão e capacidade. Faço todo o trabalho pessoalmente, a custo do meu tempo, quando podia estar a dedicar-me a algo que pudesse ajudar a pagar a renda - e como bem disseram, não é pela projecção que os prémios têm que saímos beneficiados.

    Se faço isto é porque os prémios são um sonho que tenho desde 1999. Julgo que são uma coisa positiva e aceito as falhas, mas sem também que todos têm falhas e eu, particularmente, não me considero fora da normalidade para conseguir transcender e fazer uns prémios isentos de crítica. Apesar disso, de ano para ano, tento aprender e melhorar, e para o ano continuarei nesse percurso.

    Tal como no ano passado te disse, aprecio a crítica e tenho usado o que posso para melhorar estes prémios. Com base no que apontas tentarei melhorar um pouco mais (a sessão de entrega na Póvoa de Varzim é um sinal disso, pois descentralizamos e vamos apresentar os vencedores junto do público que se deslocar ao auditório municipal, habitualmente repleto pela população local, como deves saber).

    Gostaria, inclusive, de conversar contigo, para discutir as tuas ideias de um modo mais concreto, pois és dos raros que observar atentamente o desenrolar destes prémios e tens ideias com que possas contribuir.

    Nuno Seabra Lopes

    P.S. - desculpa ter-te feito um «lençol» na caixa de comentários.

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  7. Olá Nuno! Obrigado pelo teu comentário, que terei em conta na minha reflexão prometida para o blogue Montag mais para a frente.

    Para além da falta de interesse das livrarias (salvo o GIF aposto nos seus respectivos blogues), o que me parece é que, dada natureza "paroquial", quase endogâmica, do mercado da edição em Portugal (e cada vez mais, por via das aquisições e transferências entre grupos), seria importante para a credibilidade do concurso dar uma imagem de absoluta independência entre os membros do júri e as obras seleccionadas a concurso, tanto mais que os seus resultados convergem agora para um plebiscito europeu através de uma fundação alemã, onde o rigor será muito mais tido em conta.

    Um exemplo muito claro: ou o Francisco José Viegas se afastava das funções de membro do júri (assumindo-se como editor da Quetzal, e delegando essas funções noutro representante da LER), ou então a sua "dispensa de voto" deveria estar explicitamente indicada no regulamento (o que, diga-se, tornaria a sua presença nesse alinhamento quase nula e até questionável). O desinteresse que notei também em alguns editores ou funcionários de editoras sobre a participação nos Prémios seria assim dissipado antes de se transformar em desconfiança.

    Seja como for, na essência das minhas reflexões não está qualquer quezília estética ou "dor de cotovelo" (não sou sequer concorrente este ano), mas sim – e aí trilhamos o mesmo caminho – o desejo de ver esta actividade em que me mexo (a produção de livros) nobilitada e, na hora de se premiar, livre das suspeitas que acabam sempre por minar qualquer tentativa deste género em Portugal.

    Um abraço, com um reforço do agradecimento pelo feedback.

    Pedro Marques

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  8. Não se meta com o Viegas, que ele em breve vai ter as costas aquecidas pelos Babélicos do TPinto. Vai ser intocável.... Cuidado!

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