"Actualmente, O Senhor dos Anéis é, para a grande maioria do público português, apenas um filme excepcionalmente longo, com a espectacularidade de inúmeros efeitos especiais e cenários deslumbrantes. Mérito que se deve atribuir à vasta equipa de técnicos que trabalhou na mega produção, que contou ainda com a participação de críticos e universitários especialistas na obra de Tolkien . Porém, o conhecimento do longo e complexo texto, que esteve na base dessa produção cinematográfica, continua desconhecido de muitos leitores. As razões são várias e, para serem devidamente escalpelizadas, carece-se de um estudo sério sobre a recepção literária, sobre a política cultural(?), sobre a actividade dos chamados “agentes culturais”. O estudo não foi feito até agora.
"A elaboração dos “planos nacionais de leitura” continua a ser realizada no segredo dos gabinetes governamentais, sobre informações cuja fiabilidade se desconhece e cujo objectivo parece ser o de excluir desse plano obras e autores fundamentais da língua portuguesa. Entretanto, opta-se por oferecer produtos fáceis e económicos em termos de produção, por vezes de duvidosa qualidade literária, mas que são facilmente publicitados, beneficiando da exposição pública facultada pelos media. Impera a lógica do instantâneo. O mercado editorial rege-se hoje, mais do que nunca, por objectivos comerciais de retorno rápido ou prejuízo negligenciável, definidos exclusivamente por um marketing pouco transparente . Enquanto agentes culturais com responsabilidades, os editores transformaram-se, em muitos casos, em meros vendedores de livros, sem revisão prévia (que tem como consequência uma gritante falta de qualidade gramatical dos textos), sem avaliação da qualidade literária, explorando à exaustão géneros onde o trigo se mistura com o pujante joio.
"A visita a uma livraria revela prateleiras e escaparates com livros de capas profusamente ilustradas e títulos do tipo: "A Saga dos…", "As Crónicas de…", "A Trilogia…", etc. Espadas, guerreiros, magia, parecem dominar o espaço físico e imaginário. Este fenómeno não é exclusivo de Portugal. A experiência será análoga em livrarias de uma qualquer cidade europeia. Uma explicação simplista é a de que "Portugal acompanha as tendências europeias, está mais hodierno". Outra, ainda menos informada, seria a de que “aquilo é a literatura fantástica”. Primeiro, pelo facto de os livros disponíveis deste género terem "espadas, guerreiros, magia" não significa que a literatura fantástica se esgote em obras destas; segundo, não significa que a literatura fantástica se esgote num formulismo predefinido; e, terceiro, que a literatura fantástica seja necessariamente de leitura simples, rápida e escapista."
Excerto da "Conclusão" de A Simbólica do Espaço em O Senhor dos Anéis de Tolkien de Maria do Rosário Monteiro (em preparação)
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
A literatura fantástica e o contexto cultural
Etiquetas:
J. R. R. Tolkien,
Maria do Rosário Monteiro
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