sábado, 28 de fevereiro de 2009

Buraco Negro #8

Quando fez dezoito anos foi à polícia e disse que se queria inscrever na instituição. Deram-lhe uns impressos para preencher, e, depois de os entregar com todos os dados, uma semana mais tarde recebeu uma carta em que o convocavam para uma entrevista.

O funcionário que o atendeu percebeu imediatamente que o candidato gaguejava em cada frase; também lhe chamou a atenção o constante abrir e fechar de olhos e os tiques da boca, mas mesmo assim seguiu com o interrogatório do costume. Ao perguntar-lhe porque queria ser agente da lei a resposta foi que queria sê-lo para servir o império da justiça e da ordem e poder levar a pistola à cintura, mas também porque desejava fazer parte de um corpo de homens disciplinados e com autoridade, onde reinasse a camaradagem. Nesse sentido, explicou, preferia que o deixassem fazer patrulhas com algum companheiro, pois sempre desejara ter um bom amigo com quem compartilhar o perigo e a aventura das ruas. Toda a vida ansiara pertencer a um grupo, disse, e voltou a repetir aquilo de desejar patrulhar acompanhado. Um bom amigo, um bom e valente amigo armado com pistola, como ele, insistiu. Dantes pensava que o melhor seria fazer patrulhas de moto, ainda que soubesse que os agentes íam dois a dois, aquilo parecia-lhe um pouco solitário em comparação com a visão agradável de um par de detectives partilhando o assento dianteiro de um automóvel, bebendo café de um termos e apoiando-se nos tiroteios. Fez este discurso todo de uma só vez, e até ao fim nunca mais se engasgou, mas tinha aumentado a frequência dos tiques. O funcionário escreveu qualquer coisa no papel do solicitante, depois deitou uma olhadela ao relógio de pulso e deu por terminada a entrevista.

Tão pouco o admitiram nas diferentes empresas de segurança onde se fora oferecer. Aos vinte e cinco anos decidiu actuar por sua própria conta e risco; julgava poder convencer quem o não aceitava demonstrando a sua aptidão para a vigilância: quando vissem do que era capaz de certeza lhe dariam um emprego de segurança efectivo, um uniforme, uma pistola e uma boina. Provisoriamente, utilizaria equipamento próprio: colocou no peito da camisa a estrela de xerife que guardava desde a infância; já não tinha o revólver de plástico, mas comprou uma pistola que era uma imitação perfeita das verdadeiras. Também comprou cartucheiras de autêntico couro e um cinturão largo com fivela de bronze. Calçou botas pretas, de borracha e cano alto, até aos joelhos, meteu as calças por dentro das botas, e assim equipado entrou nuns grandes armazéns para colaborar voluntariamente na segurança dos espaços de vendas.


("Muito Couro", in Buracos Negros de Lázaro Covadlo, tradução de F. J. Carvalho)

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