“– Creio que nos poderá ser útil – disse o senhor Marcial Mercante, e essa palavra pareceu a Adalberto a mais bonita que há muito escutara: útil, ser útil, servir para alguma coisa! – Precisamos de pessoas metódicas e cuidadosas – continuou a explicar o senhor Director-adjunto – uma vez que esta é uma empresa de centralização e, por esse motivo, o nosso objectivo é ter o maior controlo sobre tudo o que nos rodeia. Já se sabe que não existe controlo possível sem ordem, método e organização. Como disse que se chama?
– Arisamendi, senhor. Adalberto Arisamendi.
– Pois, claro… mas reparei que o senhor é coxo.
– É verdade, senhor – reconheceu Adalberto, não sem se ruborizar. – Falta-me o pé direito.
– Bom, pois então terá de modificar o seu apelido.
– Perdão, senhor?
– Disse que terá de modificar o seu apelido. Não pretenderá chamar-se do mesmo modo que quando estava completo, faltando-lhe um pé! Tal coisa seria contrária ao espírito de precisão desta casa.
– Peço desculpa, senhor, mas não percebi.
– Mas, é muito fácil! – disse Marcial Mercante, demonstrando ter uma grande paciência, mas sem se esforçar por dissimular uma certa irritação. – Quando o senhor nasceu registaram-no no Registo Civil como Adalberto Arasamendi, mas nessa altura o senhor deveria ter o corpo inteiro. Um corpo pequeno, de recém-nascido, claro, mas com todos os seus membros nos respectivos lugares. Pois bem, faltando-lhe um bocado o senhor mingou, por consequência isso deve constar nos nossos ficheiros e computadores, caso contrário daria lugar a possíveis confusões. Faço-me entender? Mas não se preocupe, amigo, tão pouco é tanto o que lhe falta: a ausência de um pé não é demasiado grave no conjunto de um corpo. Repito: não se preocupe. Só lhe retiraremos o último i do seu apelido: em vez de Arisamendi ficará Arisamend. Não fica mal de todo, não é verdade?
– Compreendo – aceitou Adalberto, em parte aliviado por acabar com o mal-entendido. – Mas permita-me assinalar-lhe que tenho uma prótese no lugar do pé em falta.
– Devia ter-me dito! – exclamou o senhor Marcial Mercante, golpeando a testa com a palma da mão. – Isso assim é outra coisa! Desse modo o senhor chamar-se-á Arisamend, hífen, i – e escreveu num papel: Arisamend-i. Este i separado é o registo da existência da sua prótese. Na CENTRACEN, querido amigo, está tudo registado.”
("Ninguém Desaparece Completamente", in Buracos Negros de Lázaro Covadlo, tradução de F. J. Carvalho)
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