sábado, 24 de janeiro de 2009

Buraco Negro #2

“Quando jovem, o vagabundo devia ter sido um tipo vigoroso, já que se teve de cavar mais de metro e meio até encontrar o primeiro dos esqueletos. O outro encontrava-se imediatamente por baixo. Carne e pele já não existiam; apenas uns farrapos de roupa. Os três homens rodeavam agora a cova e olhavam em silêncio aqueles restos.

Estavam os três exaustos e suados; tinham-se revesado com a única pá. O velho deveria ter estado à beira de desmaiar, pois obrigaram-no também a cavar, mas, tendo em conta a sua idade, não parecia encontrar-se demasiado cansado. A sombra fresca de um reduzido número de eucaliptos cobria-os; entre a ramagem, agitavam-se pássaros. Reyes pensou que, quando a tragédia ocorreu, haveria outros pássaros, mas as árvores estavam tão viçosas como antes, quando ele e Alonso ainda não tinham nascido. Reyes costumava pôr-se pensativo em situações como aquela, embora por pouco tempo.

– E onde foi que te escondeste?

O vagabundo apontou em direcção a um pinheiro alto situado a uns vinte metros, por trás de um espesso matagal. Reyes pensou que o pinheiro já lá deveria estar, ainda que mais jovem, mas o matagal teria outra forma. Alonso deu umas voltas em torno dos eucaliptos. No meio dos cardos encontrou a garrafa de vinho; ainda conservava o rótulo, e embora a tinta se encontrasse esborratada e apagada, podiam ler-se as maiúsculas da marca e os números do ano da colheita: 1946. Levantou a garrafa para que Reyes a visse. Olha o que encontrei, Reyes, disse.


("Quando a tarde cai", in Buracos Negros de Lázaro Covadlo, tradução de F. J. Carvalho)

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