terça-feira, 24 de março de 2009
O filme a ver em 2009
Já tínhamos "colado" o primeiro excerto disponível no Youtube no nosso "velho" blogue, este é o segundo. O DVD já anda pela Amazon e pelo ebay. Obscene é um tributo a Barney Rosset, o extravagante criador da mais importante editora independente americana das décadas de 1950 a 1970, a Grove Press (hoje, após uma fusão, chamada Grove Atlantic), e o editor da Evergreen Review, bastiões da liberdade de expressão e da qualidade literária pelas quais uma certa vanguarda dos anos de 1960 ainda gera tanta admiração.
Reflexões sobre um Prémio
Não será despiciendo, antes da reflexão propriamente dita, começar por afirmar que a criação dos Prémios de Edição LER / Booktailors, no ano passado, se reveste de uma inegável importância, quanto mais não seja pela pura e simples ausência de algo remotamente semelhante até aí. A imprensa, que se desunha nas últimas 2 semanas de cada ano a escolher os "melhores" livros do ano a findar, jamais ocupa uma linha sequer com o processo que medeia entre a escrita e o contacto com o público leitor do livro já produzido, com a excepção dos erros da revisão ou da tradução. Tendo, nestes dois últimos anos, o espaço nos jornais e revistas dedicado à exegese da produção editorial (dos que ainda o têm) ficado substancialmente reduzido, é de esperar que este estado de coisas permaneça e se agrave. Neste contexto, a existência de qualquer coisa que procure dignificar e premiar os artesãos do livro é positiva, seja qual for o ângulo pelo qual se a aborde.
Mas vamos a esses ângulos. Muito simplesmente: creio, por observação feita ao longo da segunda metade de 2008 junto das livrarias, indagando directamente os livreiros sobre os Prémios e sobre a articulação destes com a agenda daqueles, que, se a intenção dos seus organizadores era transpor os limites estritamente mediáticos do evento (a LER é uma revista e os Booktailors são uma empresa que se faz representar através de um blogue) e levá-lo junto da comunidade mais alargada (e vital) dos compradores de livros e dos que os vendem, dever-se-á concluir que algo terá falhado nesta primeira edição dos Prémios. Até Dezembro de 2008, posso contar uns 2 livreiros (em lojas independentes e de cadeias) que tinham uma vaga ideia de "um Prémio de edição", mas de resto era a completa ignorância sobre o assunto, comprovada na ausência de quaisquer indicações gráficas no local (digamos, um equivalente impresso dos gifs que alguns blogues ostentaram apoiando os Prémios). Este panorama manteve-se após o anúncio das long lists. Sei que a intenção seria apenas envolver as livrarias por altura do anúncio dos prémios. Ora está aí precisamente a base do meu argumento: porque não envolvê-las já por altura das long lists, expondo numa área especial todos os livros listados, criando uma sinergia com os pontos de venda diária dos livros e, sobretudo, alargando a base de votos (através de "boletins de voto" ou folhetos com as capas envolvidas e as respectivas memórias descritivas enviadas pelos editores)? Trata-se, afinal, de um prémio com o apoio da revista LER, apoiada por seu lado pela Fundação Círculo de Leitores, entidades para as quais a divulgação activa do mesmo nos pontos de venda de livros seria algo perfeitamente (e financeiramente) exequível.
Sei que a intenção seria apenas envolver as livrarias por altura do anúncio dos prémios. Ora está aí precisamente a base do meu argumento: porque não envolvê-las já por altura das long lists, expondo numa área especial todos os livros listados, criando uma sinergia com os pontos de venda diária dos livros e, sobretudo, alargando a base de votos?
Não me lembro igualmente de uma secção especial ou um destacável na LER por altura das long lists, o que terá sido outro erro, limitando a um único local (um blogue) o acesso à informação sobre o Prémio e ao voto. Também o blogue pecou pela falta de informação sobre as diversas capas a concurso: na ficha de inscrição era pedida uma curta memória descritiva, que infelizmente não foi usada na divulgação dos projectos a concurso, privando os potenciais votantes de informação útil.
Um bom exemplo para edições futuras será a simplicidade com que Andrew Howard montou aquele que foi o maior acontecimento de 2008 no que toca ao design de livros em Portugal, a exposição GATEWAYS e a edição do seu catálogo. Funcionando também através de fichas de inscrição, a importância, no produto final, foi dada ao testemunho do designer através da memória descritiva, tanto na exposição como no catálogo: desta forma se dá deveras a palavra a quem faz e produz os livros. Um dos problemas da divulgação de eventos como a Gateways ou os Prémios LER/Booktailors é a absoluta iliteracia da nossa imprensa "especializada" no que toca ao design gráfico e/ou editorial. Nem um jornal ou revista possui uma coluna, mais ou menos regular, sobre o design dos livros ou das capas, usando, contudo, a reprodução destas de forma intensiva: na prova mais visível da existência de um livro, a capa, opera-se o milagre da invisibilidade quando se lê os textos que ladeiam a sua reprodução. Efeito da influência francófona há umas décadas (os franceses eram lendariamente pouco dados à importância das capas – apesar de um dos mais revolucionários designers de livros de sempre, Robert Massin, ser francês), essa iliteracia do design parece agora mais difícil de explicar numa imprensa que lê, se inspira e cita os jornais e revistas inglesas e americanas de referência, dada a perfeita consciência que ingleses e americanos sempre tiveram da importância do design dos livros. (Esse estado de coisas fez com que, ironicamente mas sem surpresas, a imprensa portuguesa quase ignorasse a exposição e, sobretudo, a excelente edição do Gateways, o unico livro produzido e publicado em Portugal no ano passado a receber um prémio do Type Directors Club de Nova Iorque).
Nem um jornal ou revista possui uma coluna, mais ou menos regular, sobre o design dos livros ou das capas, usando, contudo, a reprodução destas de forma intensiva: na prova mais visível da existência de um livro, a capa, opera-se o milagre da invisibilidade quando se lê os textos que ladeiam a sua reprodução.
Estas palavras partem de quem participou neste processo e, participando como editor e designer de um micro projecto, não esperava sequer ter 1 capa seleccionada, quanto mais 4, pelo que não são movidas por acinte, despeito ou ressabiamento: são apenas uma forma de lançar a discussão entre a comunidade. A produção gráfica de livros em Portugal é um trabalho ingrato (sujeito, quase sempre, a "propostas" em competição), sujeito a várias violações dos mais elementares princípios da ética e do direito do trabalho (escrevo com conhecimento de causa), anónimo para além da uma linha na ficha técnica, mal pago (o império do mais baixo orçamento) e totalmente ignorado por quem escreve sobre a edição, pelo que eventos como estes Prémios serão a única oportunidade presente de a nobilitar e lhe conceder um discurso próprio e articulado. Esperemos que o façam na sua segunda edição, que as livrarias sejam mais envolvidas desde o arranque (e, com elas, o público leitor que as frequenta) e que a imprensa dilua o transe autoral em que ainda vive e comece a conceber uma edição como um fruto de vários "autores", entre os quais o designer.
(PM)
Addendum: E, pegando no exemplo do catálogo Gateways, porque não pensar na edição anual de um pequeno volume com todos os projectos a concurso a partir das long lists, usando as memórias descritivas enviadas aquando da inscrição?
Mas vamos a esses ângulos. Muito simplesmente: creio, por observação feita ao longo da segunda metade de 2008 junto das livrarias, indagando directamente os livreiros sobre os Prémios e sobre a articulação destes com a agenda daqueles, que, se a intenção dos seus organizadores era transpor os limites estritamente mediáticos do evento (a LER é uma revista e os Booktailors são uma empresa que se faz representar através de um blogue) e levá-lo junto da comunidade mais alargada (e vital) dos compradores de livros e dos que os vendem, dever-se-á concluir que algo terá falhado nesta primeira edição dos Prémios. Até Dezembro de 2008, posso contar uns 2 livreiros (em lojas independentes e de cadeias) que tinham uma vaga ideia de "um Prémio de edição", mas de resto era a completa ignorância sobre o assunto, comprovada na ausência de quaisquer indicações gráficas no local (digamos, um equivalente impresso dos gifs que alguns blogues ostentaram apoiando os Prémios). Este panorama manteve-se após o anúncio das long lists. Sei que a intenção seria apenas envolver as livrarias por altura do anúncio dos prémios. Ora está aí precisamente a base do meu argumento: porque não envolvê-las já por altura das long lists, expondo numa área especial todos os livros listados, criando uma sinergia com os pontos de venda diária dos livros e, sobretudo, alargando a base de votos (através de "boletins de voto" ou folhetos com as capas envolvidas e as respectivas memórias descritivas enviadas pelos editores)? Trata-se, afinal, de um prémio com o apoio da revista LER, apoiada por seu lado pela Fundação Círculo de Leitores, entidades para as quais a divulgação activa do mesmo nos pontos de venda de livros seria algo perfeitamente (e financeiramente) exequível.
Sei que a intenção seria apenas envolver as livrarias por altura do anúncio dos prémios. Ora está aí precisamente a base do meu argumento: porque não envolvê-las já por altura das long lists, expondo numa área especial todos os livros listados, criando uma sinergia com os pontos de venda diária dos livros e, sobretudo, alargando a base de votos?
Não me lembro igualmente de uma secção especial ou um destacável na LER por altura das long lists, o que terá sido outro erro, limitando a um único local (um blogue) o acesso à informação sobre o Prémio e ao voto. Também o blogue pecou pela falta de informação sobre as diversas capas a concurso: na ficha de inscrição era pedida uma curta memória descritiva, que infelizmente não foi usada na divulgação dos projectos a concurso, privando os potenciais votantes de informação útil.
Um bom exemplo para edições futuras será a simplicidade com que Andrew Howard montou aquele que foi o maior acontecimento de 2008 no que toca ao design de livros em Portugal, a exposição GATEWAYS e a edição do seu catálogo. Funcionando também através de fichas de inscrição, a importância, no produto final, foi dada ao testemunho do designer através da memória descritiva, tanto na exposição como no catálogo: desta forma se dá deveras a palavra a quem faz e produz os livros. Um dos problemas da divulgação de eventos como a Gateways ou os Prémios LER/Booktailors é a absoluta iliteracia da nossa imprensa "especializada" no que toca ao design gráfico e/ou editorial. Nem um jornal ou revista possui uma coluna, mais ou menos regular, sobre o design dos livros ou das capas, usando, contudo, a reprodução destas de forma intensiva: na prova mais visível da existência de um livro, a capa, opera-se o milagre da invisibilidade quando se lê os textos que ladeiam a sua reprodução. Efeito da influência francófona há umas décadas (os franceses eram lendariamente pouco dados à importância das capas – apesar de um dos mais revolucionários designers de livros de sempre, Robert Massin, ser francês), essa iliteracia do design parece agora mais difícil de explicar numa imprensa que lê, se inspira e cita os jornais e revistas inglesas e americanas de referência, dada a perfeita consciência que ingleses e americanos sempre tiveram da importância do design dos livros. (Esse estado de coisas fez com que, ironicamente mas sem surpresas, a imprensa portuguesa quase ignorasse a exposição e, sobretudo, a excelente edição do Gateways, o unico livro produzido e publicado em Portugal no ano passado a receber um prémio do Type Directors Club de Nova Iorque).
Nem um jornal ou revista possui uma coluna, mais ou menos regular, sobre o design dos livros ou das capas, usando, contudo, a reprodução destas de forma intensiva: na prova mais visível da existência de um livro, a capa, opera-se o milagre da invisibilidade quando se lê os textos que ladeiam a sua reprodução.
Estas palavras partem de quem participou neste processo e, participando como editor e designer de um micro projecto, não esperava sequer ter 1 capa seleccionada, quanto mais 4, pelo que não são movidas por acinte, despeito ou ressabiamento: são apenas uma forma de lançar a discussão entre a comunidade. A produção gráfica de livros em Portugal é um trabalho ingrato (sujeito, quase sempre, a "propostas" em competição), sujeito a várias violações dos mais elementares princípios da ética e do direito do trabalho (escrevo com conhecimento de causa), anónimo para além da uma linha na ficha técnica, mal pago (o império do mais baixo orçamento) e totalmente ignorado por quem escreve sobre a edição, pelo que eventos como estes Prémios serão a única oportunidade presente de a nobilitar e lhe conceder um discurso próprio e articulado. Esperemos que o façam na sua segunda edição, que as livrarias sejam mais envolvidas desde o arranque (e, com elas, o público leitor que as frequenta) e que a imprensa dilua o transe autoral em que ainda vive e comece a conceber uma edição como um fruto de vários "autores", entre os quais o designer.
(PM)
Addendum: E, pegando no exemplo do catálogo Gateways, porque não pensar na edição anual de um pequeno volume com todos os projectos a concurso a partir das long lists, usando as memórias descritivas enviadas aquando da inscrição?
Etiquetas:
Prémio LER / Booktailors
terça-feira, 17 de março de 2009
Buraco Negro #11
“Também recordo com nitidez as palavras da parteira quando me resgatou do interior da minha mãe: “este menino é um monstro!”, disse ela.
– Mas como podes acreditar que te lembras dessas palavras? Por favor, Félix, acabavas de nascer! O que tu dizes não concorda com a realidade – falava-me assim aquela psicóloga a que me levaram aos treze ou catorze anos. Falam sempre da realidade os doutorzecos. Sabem eles, por acaso, o que é a realidade?
Não obstante, devo admitir que a parteira dizia a verdade: eu era um monstro. Ao nascer tinha cometido o erro de mostrar-me tal qual era, por isso no meu rosto de recém-nascido reflectiu-se o ódio acumulado (na etapa fetal) com que cheguei ao mundo, bem como toda a perversão da estirpe mais além dos meus progenitores; porque estou convencido que semelhante maldade vinha desde antepassados muito antigos, e essa emoção tão intensa e genuína teve, durante o período da minha gestação e desenvolvimento, tempo de sobra para formatar as minhas feições.
Imediatamente percebi que com aquela expressão na cara as coisas me correriam mal, mesmo muito mal, e foi essa a razão pela qual, com instintiva astúcia, compus uma careta que me fazia parecer um bom menino. Mantê-la dava-me muito trabalho, um esforço vigoroso, tenaz e continuado dos músculos faciais, mas não tinha outro remédio senão suster tal máscara se me queria proteger. Pelos vistos fiz o que devia fazer, e, mesmo assim, fi-lo bem.
– Claro que é um bebé lindo! – disse a auxiliar da parteira.
– Sim, sim, é verdade! É que, por momentos, pareceu-me muito feio – explicou a parteira.
Tinha ganho a minha primeira batalha, mas sabia que no futuro não podia afrouxar. E não afrouxei durante muito tempo, pelo menos não o fiz na presença dos outros.Permanecia sempre com os músculos tensos para evitar que as minhas feições recuperassem as suas formas originais. Semelhante esforço muscular acarretou ao meu organismo algumas indesejadas consequências, em especial no respeitante ao sistema digestivo: o trânsito de alimentos era lento, e, na última etapa, árduo e doloroso. Mas estava resignado, sabia que devia sacrificar alguma coisa para evitar que me descobrissem."
("Preparação para o Abismo", in Buracos Negros de Lázaro Covadlo, tradução de F. J. Carvalho)
– Mas como podes acreditar que te lembras dessas palavras? Por favor, Félix, acabavas de nascer! O que tu dizes não concorda com a realidade – falava-me assim aquela psicóloga a que me levaram aos treze ou catorze anos. Falam sempre da realidade os doutorzecos. Sabem eles, por acaso, o que é a realidade?
Não obstante, devo admitir que a parteira dizia a verdade: eu era um monstro. Ao nascer tinha cometido o erro de mostrar-me tal qual era, por isso no meu rosto de recém-nascido reflectiu-se o ódio acumulado (na etapa fetal) com que cheguei ao mundo, bem como toda a perversão da estirpe mais além dos meus progenitores; porque estou convencido que semelhante maldade vinha desde antepassados muito antigos, e essa emoção tão intensa e genuína teve, durante o período da minha gestação e desenvolvimento, tempo de sobra para formatar as minhas feições.
Imediatamente percebi que com aquela expressão na cara as coisas me correriam mal, mesmo muito mal, e foi essa a razão pela qual, com instintiva astúcia, compus uma careta que me fazia parecer um bom menino. Mantê-la dava-me muito trabalho, um esforço vigoroso, tenaz e continuado dos músculos faciais, mas não tinha outro remédio senão suster tal máscara se me queria proteger. Pelos vistos fiz o que devia fazer, e, mesmo assim, fi-lo bem.
– Claro que é um bebé lindo! – disse a auxiliar da parteira.
– Sim, sim, é verdade! É que, por momentos, pareceu-me muito feio – explicou a parteira.
Tinha ganho a minha primeira batalha, mas sabia que no futuro não podia afrouxar. E não afrouxei durante muito tempo, pelo menos não o fiz na presença dos outros.Permanecia sempre com os músculos tensos para evitar que as minhas feições recuperassem as suas formas originais. Semelhante esforço muscular acarretou ao meu organismo algumas indesejadas consequências, em especial no respeitante ao sistema digestivo: o trânsito de alimentos era lento, e, na última etapa, árduo e doloroso. Mas estava resignado, sabia que devia sacrificar alguma coisa para evitar que me descobrissem."
("Preparação para o Abismo", in Buracos Negros de Lázaro Covadlo, tradução de F. J. Carvalho)
Etiquetas:
Buracos Negros,
Lázaro Covadlo
segunda-feira, 16 de março de 2009
Desconto de 12%
Por falar em selos, aqui fica um importante. Em compras no site e no nosso blogue (e apenas aí) garantimos um desconto de 12% em títulos com mais de 1 ano sobre a sua publicação. Como sempre, podem usar os links para a compra pelo Paypal (e se não aderiram ainda ao Paypal, sugerimos que o façam, pois agora não precisam sequer de um cartão de crédito, bastando uma simples conta bancária) ou enviar-nos a ficha de encomenda devidamente preenchida.
Selados
Esta capa parece ter caído no goto de algumas pessoas e, pronto, lá deu por si finalista dos Prémios LER / Booktailors numa das categorias a concurso (eram muitas). Pois obrigado a quem gostou, e esperemos que isto sirva para o que interessa: a procura do livro. Quando surgir tempo, serão escritas umas linhas sobre a capa aqui.
DO CÍRCULO DE VIENA À FILOSOFIA
ANALÍTICA CONTEMPORÂNEA
Coord. António Zilhão
14,00 12,32 €
Desconto de 12% (apenas em compra no nosso site ou blogue)
DO CÍRCULO DE VIENA À FILOSOFIA
ANALÍTICA CONTEMPORÂNEA
Coord. António Zilhão
Desconto de 12% (apenas em compra no nosso site ou blogue)
Etiquetas:
António Zilhão,
Círculo de Viena,
Filosofia,
Prémio LER / Booktailors
quinta-feira, 12 de março de 2009
Paralelos arrepiantes:
Naomi Klein e Jerzy Kosinski
O livro de Naomi Klein The Shock Doctrine, que transforma a dialética Keynesianismo-Friedmanianismo num thriller envolvente e explica a essência da vida política e económica mundial dos anos de 1950 ao presente, tem também o poder para transformar a leitura de outros livros à luz da sua teoria. Um desses livros é certamente Chance de Jerzy Kosinski, com o qual o seguinte parágrafo tem paralelos assustadores:
"Even if Pinochet understood little about inflation and interest rates, the technos spoke a language he did understand. Economics for them meant forces of nature that needed to be respected and obeyed because 'to act against nature is counter-productive and self-deceiving' [...]. Pinochet agreed: people, he once wrote, must submit to structure because 'nature shows us basic order and hierarchy are necessary.' [...]"
(Naomi Klein, The Shock Doctrine, 2008, p. 79)
Teria Milton Friedman lido a seguinte resposta do jardineiro Chance a uma pergunta sobre a crise económica e decidido pô-la em prática no Chile (o livro de Kosinki é de 1970)? A hipótese é arrepiante.
"– Num jardim, as coisas crescem... mas antes têm de decair. As árvores têm de perder as folhas para deixar que outras folhas cresçam, e para que elas próprias continuem a crescer mais sólidas, mais fortes e ainda mais altas. Algumas árvores morrem, mas outras mais novas vêm substituí-las. Os jardins precisam de muito cuidado. Mas quem gosta do seu jardim, gosta de trabalhar nele, e não se importa de esperar. E então, na estação certa, verá tudo a florir."
(Jerzy Kosinski, Chance, Livros de Areia, 2006, trad. Pedro Piedade Marques, p. 75-76)
CHANCE
de Jerzy Kosinski
Desconto de 12% (apenas em compra no nosso site ou blogue)
Etiquetas:
Chance,
Jerzy Kosinski,
Naomi Klein
quarta-feira, 11 de março de 2009
Os pássaros e as borboletas
voam em Maio
Ou como um escritor do Oregon (Bruce Holland Rogers) e outro de Lisboa (José Mário Silva) provam que as distâncias se encurtam através da micro-narrativa. Em Maio próximo, e em Lisboa, um encontro que esteve para acontecer no ano passado. Mais detalhes até lá por aqui.
Etiquetas:
Bruce Holland Rogers,
José Mário Silva
terça-feira, 10 de março de 2009
Galeano na SIC
No próximo dia 18, Manuel Jorge Marmelo falará de Futebol: Sol e Sombra de Eduardo Galeano na SIC. Trata-se do programa Carlsberg Cup Show, um magazine englobado na parceria SIC/Carlsberg Cup para a época 2008/2009. Será perto da meia-noite, mas poderão sempre consultar o registo aqui.
FUTEBOL: SOL E SOMBRA
de Eduardo Galeano
Desconto de 12% (apenas em compra no nosso site ou blogue)
Etiquetas:
Eduardo Galeano,
Manuel Jorge Marmelo
domingo, 8 de março de 2009
Buraco Negro #10
“E com aquela cena terminava verdadeiramente a película, de modo que se acenderam as luzes por um curto momento, mas a ténue claridade artificial durou o suficiente para que Bernardo pudesse olhar à sua volta. Estavam na sala uns quantos homens mais, talvez dez ou doze, todos patéticos. E eu, como me verei, perguntou-se Bernardo.
As luzes voltaram a apagar-se e iniciou-se a projecção seguinte. No ecrã aparece um barco que navega mar adentro. Plano afastado: dia. Agora o barco aproxima-se da câmara: bom trabalho de zoom. O recorte do navio é muito parecido com o do Neptuno II. Agora vê-se, detalhadamente, o casco e pode ler-se o nome do navio: Neptuno II. É mesmo o Neptuno II? Sim, é isso que se lê. Então, o nosso barco foi utilizado para fazer um filme pornográfico!, descobriu Bernardo. Sorri e pensa como se divertirá Clara Luz quando ele lhe contar. Sequência dois: o barco está atracado; a câmara foca a coberta e mostra um homem e uma mulher que discutem com palavras azedas. Parecem-se com ele e com Clara Luz, são demasiado parecidos. Bernardo começa a mexer-se e pensa que a sua imaginação lhe está a pregar uma partida de mau gosto. Cuidado, nada de nervosismos, Bernardo! Calma, foi o que o médico te recomendou: sempre muita calma.
O barco atraca e no seguimento descem os passageiros; Bernardo vê-se a si próprio: está a sair do barco e na sua cara brilha a ira. A câmara foca Clara Luz, que está no convés, apoiada no corrimão, e observa como ele se afasta em passo rápido pelo molhe. Há lágrimas nos olhos de Clara Luz. Menos mal! Ela está arrependida, pensa Bernardo. De repente a câmara descobre um meio sorriso malévolo na cara da sua amante. Era mesmo ou é de novo a sua imaginação? Calma, Bernardo, muita calma.
Novas sequências: a câmara segue-o até ao posto fronteiriço, retrata-o no seu nervosismo enquanto espera a sua vez para passar para o outro lado da cancela e mostra-o com um gesto de contrariedade quando o guarda aceita a sua documentação. Vê-se agora no parque sentado no banco, por baixo da palmeira. Aparece o pretinho. Engraxa-lhe os sapatos. Condu-lo ao cinema, o mesmo cinema onde se encontra neste preciso momento. Isto é insólito, diz-se Bernardo. Decide que irá à bilheteira e que pedirá para falar com o dono do cinema para lhe exigir uma explicação, mas não consegue descolar-se da cadeira. Agora vê-se a si próprio sentado na cadeira. E uma nova sequência: outra vez o Neptuno II. A câmara foca o camarote que partilha com Clara Luz. Ali está ela. Apenas se encontra coberta por um robe transparente, desses que ele supõe venderem-se em lojas de lingerie para mulheres frívolas; de resto, está nua. E não está sozinha: há um homem."
("Buracos Negros", in Buracos Negros de Lázaro Covadlo, tradução de F. J. Carvalho)
As luzes voltaram a apagar-se e iniciou-se a projecção seguinte. No ecrã aparece um barco que navega mar adentro. Plano afastado: dia. Agora o barco aproxima-se da câmara: bom trabalho de zoom. O recorte do navio é muito parecido com o do Neptuno II. Agora vê-se, detalhadamente, o casco e pode ler-se o nome do navio: Neptuno II. É mesmo o Neptuno II? Sim, é isso que se lê. Então, o nosso barco foi utilizado para fazer um filme pornográfico!, descobriu Bernardo. Sorri e pensa como se divertirá Clara Luz quando ele lhe contar. Sequência dois: o barco está atracado; a câmara foca a coberta e mostra um homem e uma mulher que discutem com palavras azedas. Parecem-se com ele e com Clara Luz, são demasiado parecidos. Bernardo começa a mexer-se e pensa que a sua imaginação lhe está a pregar uma partida de mau gosto. Cuidado, nada de nervosismos, Bernardo! Calma, foi o que o médico te recomendou: sempre muita calma.
O barco atraca e no seguimento descem os passageiros; Bernardo vê-se a si próprio: está a sair do barco e na sua cara brilha a ira. A câmara foca Clara Luz, que está no convés, apoiada no corrimão, e observa como ele se afasta em passo rápido pelo molhe. Há lágrimas nos olhos de Clara Luz. Menos mal! Ela está arrependida, pensa Bernardo. De repente a câmara descobre um meio sorriso malévolo na cara da sua amante. Era mesmo ou é de novo a sua imaginação? Calma, Bernardo, muita calma.
Novas sequências: a câmara segue-o até ao posto fronteiriço, retrata-o no seu nervosismo enquanto espera a sua vez para passar para o outro lado da cancela e mostra-o com um gesto de contrariedade quando o guarda aceita a sua documentação. Vê-se agora no parque sentado no banco, por baixo da palmeira. Aparece o pretinho. Engraxa-lhe os sapatos. Condu-lo ao cinema, o mesmo cinema onde se encontra neste preciso momento. Isto é insólito, diz-se Bernardo. Decide que irá à bilheteira e que pedirá para falar com o dono do cinema para lhe exigir uma explicação, mas não consegue descolar-se da cadeira. Agora vê-se a si próprio sentado na cadeira. E uma nova sequência: outra vez o Neptuno II. A câmara foca o camarote que partilha com Clara Luz. Ali está ela. Apenas se encontra coberta por um robe transparente, desses que ele supõe venderem-se em lojas de lingerie para mulheres frívolas; de resto, está nua. E não está sozinha: há um homem."
("Buracos Negros", in Buracos Negros de Lázaro Covadlo, tradução de F. J. Carvalho)
Etiquetas:
Buracos Negros,
Lázaro Covadlo
Subscrever:
Mensagens (Atom)