sábado, 19 de dezembro de 2009

Editor: uma imagem em metamorfose

Este post do ex-editor da Cavalo de Ferro Hugo Xavier suscita-me algumas reflexões sobre o papel do editor, sobretudo numa fase de transição do papel tradicional e confortável do gestor criativo de projectos literários produzidos no seio de uma empresa (leia-se, com subalternos ou colegas responsáveis pela execução das diversas tarefas técnicas decorrentes dessa gestão e das decisões daí derivadas) para o de (como no caso) editor disponível ou no "desemprego", uma associação que enferma de uma contradição interna, pois se há sector do mercado de trabalho que menos "empregos" (leia-se, contratos de trabalho em full time) tem gerado ou mantido esse será certamente o da edição (pago um almoço a quem me mostrar, nos jornais da próxima semana, um anúncio vindo de uma editora ou grupo editorial que não seja da "área comercial").

Frequentei uma dessas pós-graduações especializadas em edição (frequência da qual, diga-se, não me arrependo), mas durante todo o tempo em que a frequentei, e até depois, ela não pesou um grama nas entrevistas ou contactos que tive para "empregos" (leia-se agora, prestações de serviço a recibo verde) na área da edição. Isso tirou-me de vez as dúvidas sobre o hipotético valor de uma formação especializada em edição como chave de entrada nesse suposto "mercado" editorial (foi o meu momento "novas oportunidades", mas serviu, como tal, de experiência).

A conclusão a que chego, após quase 4 anos dentro do projecto Livros de Areia, é a de que o editor, o pequeno e médio editor que não tem business angels ou uma estrutura corporativa a sustentá-lo, tem de, literalmente, saber fazer o livro todo de montante a jusante: dos contactos com os agentes à preparação do material de promoção (press releases, blogues e websites), passando pela paginação e design do livro, da sua revisão e (quando necessário) tradução, tudo isto tem de voltar a ser a "massa" do editor, e não apenas a "escolha" de bons livros para a "sua" chancela. A cultura e a erudição dentro dos conteúdos já não chega. Há um exemplo histórico dessa necessidade urgente de retoma dos "meios de produção" (um termo marxista que fica bem em época de bailouts à banca neo-liberal): a criação da Hogarth Press por Leonard e Virginia Woolf, dois intelectuais que, em meses, e por extrema urgência de publicar o que achavam que devia ser publicado, aprenderam e dominaram uma tecnologia bem mais exigente fisicamente (imaginam Virginia Woolf com tinta preta no sabugo das unhas partidas?) do que a que, agora, envolve um rato e um teclado de plástico (leiam Leonard and Virginia Woolf as Publishers de J. H. Willis).

Se hoje posso usar o (cada vez mais vulgarizado e ridiculamente pomposo) título de "editor", e se hoje o projecto que me permite usar esse título ainda existe, sem condenações em tribunal por más práticas laborais ou má fé no tratamento a prestadores de serviços, sem dívidas ao Estado ou a qualquer outro credor e com uma conta bancária no verde, é porque tudo o que diz respeito à produção dos livros que por cá se podem ir fazendo – salvo uma ou outra tradução, duas encomendas pontuais de ilustrações e, obviamente, a impressão final – sai das mãos que dirigem esse projecto (às quais se juntaram algumas outras, a quem devemos um enorme agradecimento). Esse seria, pois, o "conselho" (palavra muito pesada, mas para a qual não me ocorre nenhum sinónimo mais adequado) que daria a quem quer experimentar isto de ser "editor": olhem menos para o J. Peterman do Seinfeld, de cachimbo permanentemente aceso enquanto debitava as suas ideias "geniais" aos assistentes (e olhem ainda menos para as notícias das "transferências" milionárias entre chancelas de holdings editoriais), e mais para um Leonard Woolf suado, de mangas arregaçadas, a tentar compor uma linha de tipos metálicos num componedor para um poema de T. S. Elliot numa cave em Londres durante a I Guerra Mundial. Não será a imagem mais glamorosa, mas, nesta iminente metamorfose da imagem do "editor" em época de recessão mundial e de tecnologia barata e acessível, parece-me ser a mais inspiradora.
(PM)

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